A Tecnologia Social da Memória para museus que pensam regiões

A narrativa de vida é uma forma de conhecimento de aspectos sociais e culturais de uma dada época e lugar, crescentemente aceita como fonte histórica por muitos historiadores desde a conhecida Escola dos Annales. Ela pode ser usada, como já é, por museus em seu processo de pesquisa, preservação e comunicação, especialmente, como queremos refletir aqui, por aqueles que se dedicam a estudar uma região, como o Museu do Seridó, localizado na Cidade de Caicó-RN e pertencente à Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 

Não se trata de considerar tudo que se coleta como puro reflexo da verdade, visto que a biografia traz em si uma espécie de ilusão, como já ressaltou Pierre Bourdieu, famoso sociólogo francês, assim como a memória é um processo de seleção/descarte, aqui já contando com a colaboração da psicóloga brasileira Ecléa Bosi. A coleta de história tem um duplo aspecto a ser considerado em sua aplicação metodológica: 1) ouvir as pessoas com atenção e respeito às suas vivências é em si um ato institucional que marca uma posição de respeito às diferenças, promoção da noção de que todos somos partícipes da história da nossa cidade, região, país, mundo; 2) considerar relatos para ajudar em reflexões históricas e sociológicas, não é os tratar como simples reflexo da verdade, nem os investigar à procura de supostos erros, trata-se de os relacionar com outras fontes, livros a respeito do tema e histórias de vida pertinentes na busca de novas interpretações calcadas com rigor científico. A coleta pode ser ativa, quando parte do próprio Museu visando uma pesquisa específica, ou passiva, quando se abre para receber o relato de vida das pessoas interessadas.

Nesse ponto, pensamos na adoção da Tecnologia Social da Memória, elaborada e praticada pelo Museu da Pessoa. Mas o que seria, antes e apenas, uma tecnologia social? “Todo processo, método ou instrumento capaz de solucionar algum tipo de problema social e que atenda aos quesitos de simplicidade, baixo custo, fácil reaplicabilidade e impacto social comprovado” foi a resposta resumida elaborada por Jacques Pena e Claiton Mello. Assim, o que temos aqui é esse instrumento voltado à memória e ao seu registro e compartilhamento por públicos diversos. 

A Tecnologia Social da Memória é dividida em três fases complementares: construção, organização e socialização de histórias. O início ocorre quando cada pessoa conta e compartilha sua própria história. Essa história, por sua vez, será relacionada com outras de um grupo com a qual ela possa dialogar para assim compor uma história coletiva. Ela também fará parte de uma rede mais ampla de histórias dos indivíduos e grupos que compõem o Seridó, o qual pode ser visto também dentro de outras escalas maiores.

O caminho descrito até aqui conduz a reflexões acerca de identidades culturais, no caso, no nosso caso, Museu do Seridó, as da própria região que nomeia a instituição. É interessante notar que o plural do termo não se refere a identidades de lugares diversos, mas ao fato que um mesmo lugar abriga diferentes identidades que se relacionam, tal qual apontam os estudos de Stuart Hall, pois se assim não fosse, estaríamos reforçando um estereótipo, não pensando uma identidade cultural. 

O resultado de sua aplicação, portanto, é simultaneamente um convite à valorização e patrimonialização das narrativas de vida de seridoenses, coleta e organização delas e divulgação de seu conjunto enquanto componente da identidade seridoense ligado ao patrimônio cultural regional, potencial turístico, produção historiográfica e direito à visibilidade de um modo de fazer, expressar e ser de uma gente. Em um país tão rico em diversidade regional como o Brasil, os museus podem encontrar na Tecnologia Social da Memória mais uma forma de pesquisar, preservar e comunicar essa riqueza cultural. 

Autoria do Texto:Tiago Tavares e Silva e Igor Ricardo de Almeida Cavalcante

Autoria da arte:Hyally Carvalho Dutra Pereira e Thaísia Kaline Alves de Queiroz

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