O Movimento Muralista e sua expansão pela América Latina

Ao falarmos sobre murais, estamos falando de uma pintura narrativa, em grandes proporções, expressa em uma ampla superfície. A partir dessa definição, ao longo da história podemos identificar alguns exemplos de murais: as pinturas e gravuras rupestres, as pinturas egípcias no interior de templos, algumas pinturas do período renascentista, murais Mochicas, Maias, entre tantos outros povos que ocupavam o nosso continente antes da invasão europeia e que produziam tais imagens, seja com intuito ligado a religiosidade ou como registro de algum acontecimento.

Porém, quando falamos de Muralismo, estamos falando de um movimento artístico, do início do século XX, cuja constituição como arte se deu junto ao processo da Revolução Mexicana. O movimento tem início na década de 1920, com pinturas em tamanhos monumentais tomando espaços da arquitetura pública, como escolas, edifícios governamentais e culturais. Possuía em si um caráter e um projeto pedagógico, pois na época, grande parte da população mexicana não sabiam ler nem escrever. A intenção era falar de política e questões sociais a partir das imagens.

Artistas que se destacam quando se pensa no movimento muralista são Diego Rivera (1886-1957), David Alfaro Siqueiros (1896-1974) e José Clemente Orozco (1883-1949), Xavier Guerreiro (1896-1974), entre outros tantos, incluindo mulheres, como é o caso de Aurora Reyes (1908-1985), Rina Lazo ( 1923-2019), Fanny Rabel (1922-2008) para citar algumas.

Diz uma anedota que o afresco chega ao movimento muralista no México a partir de um livro comprado na Itália por Siqueiros e Diego Rivera. O livro que explicava a técnica estava escrito em um italiano que, segundo Siqueiros, ninguém conseguia entender. De volta a seu país, nem os dois muralistas, nem seus companheiros ou pessoas próximas conseguiam traduzir a receita para desenvolver a pintura mural. Foi a partir dos conhecimentos do pai de um dos muralistas, Xavier Guerrero, obtidos durante sua função de pedreiro, que os artistas aprenderam como aplicar essa técnica e começaram a pintar seus murais. No início, empenhavam-se tanto na técnica do afresco, vinda do continente europeu, acrescentando nessa receita a baba de nopal, quanto da encáustica, vinda do continente africano. (SIQUEIROS, 1979, p. 61-62).

Obra: História do México, Diego Rivera / Foto: Daniela Dionizio

Sobre a técnica chamada Piroxilina, Siqueiros acaba se deparando com esse tipo de pintura automotiva, por conta de suas experimentações. O artista estava buscando uma produção mural que fosse mais acessível e democrática, além de coletiva. Queria diminuir os custos para pintar um mural, e também formas de fazê-lo, para que qualquer indivíduo pudesse pintar. Utilizava-se de fotografias e projetores, pintava em grupo, com seus estudantes, ou com quem estivesse dispostos a fazer parte dessa experiência. Buscava também formas de pintar em área externa de edifícios, pesquisando produtos mais resistentes ao tempo. Uma de suas preocupações era também com a experiência que cada espectador teria com suas obras. Como seria o primeiro contato, o que veriam primeiro, para que lado o espectador iria caminhar? Pensava, portanto, nas direções de olhares que poderiam ver seus murais, e como traria para pintura a narrativa de forma cinematográfica. Vale apontar aqui que o artista conviveu durante o início da década de 1930 com o cineasta russo Sergei Eisenstein(1898-1948), que estava no país gravando Que Viva México!, por essa via os murais de Siqueiros eram habitados pela criação de movimentos dentro da pintura estática.

Obra: A marcha da humanidade, David Alfaro Siqueiros / Foto: Daniela Dionizio

Ao longo do século XX, alguns artistas de diversas partes da América Latina buscavam ir ao México para se aproximar dessa arte e aprender com seus mestres, como exemplo temos o brasileiro Di Cavalcante. Porém, os muralistas estavam circulando pelo continente, produzindo, dando aulas, palestras, conferencias. Diego Rivera em 1954 participou de um congresso no Chile para falar de muralismo. Após o congresso foi até a Bolívia conhecer a obra mural de Miguel Alandia Pantoja (1914-1975), um artista revolucionário, militante do POR (Partido Obrero Revolucionario), que dividia seu tempo entre a pintura e a militância (quando nos aprofundamos em sua obra notamos que essas duas ações não são separadas). Pantoja lutou na Guerra do Chaco, na Revolução de 1952, fez parte da Comuna de La Paz, lutou contra a ditadura militar que tomou conta da Bolívia a partir de um golpe em fins de 1964. Sobre sua obra, Diego Rivera apontou que Alandia Pantoja conseguiu inserir em sua arte o que havia de melhor dos três mexicanos, dele, de Siqueiros e Orozco.

Obra: Reforma Educativa e Voto Universal, Miguel Alandia Pantoja / Foto: Daniela Dionizio

Siqueiros passou por diversos países realizando seus cursos sobre Muralismo. Destaco seu período de produção em Buenos Aires, 1933, quando contratado pelo jornalista Natalio Botana (1888-1941), foi pintar um mural nos arredores da cidade. Foi acompanhado por Antonio Berni(1905-1981), Lino Spilimbergo(1896-1964) e Juan Carlos Castagnino(1908-1972), que após a experiência de pintar com o artista mexicano, deram origem ao movimento muralista na Argentina (murais desses três artistas podem ser visto na Galeria Pacífico, na Calle Florida, no centro da capital). O mural produzido pelo grupo de Siqueiros recebeu o nome de Ejercício Plástico, e trazia imagens da escritora Blanca Luz Brum(1905-1985) nua. Na época Blanca era companheira de Siqueiros. A estadia do artista termina por motivos políticos (se envolveu em uma manifestação decorrente de uma greve) e passionais (Blanca começou a ter um caso com Botana). Foi deportado. Outro destaque é para as aulas que estava dando no Chile na década de 1940, entre os artistas estavam o boliviano Walter Solón Romero(1923-1999). Alandia Pantoja, em 1947, estava exilado no Chile porém ainda não encontrei registro se teve contato com Siqueiros. Os resultados disso foram vários murais, pintados inclusive com piroxilina, na Bolívia, ou por conversa via de diálogo entre os artistas boliviano e mexicano, no qual discutiam a técnica ou por inspiração e pesquisa, são possíveis suposições.

Sobre esse movimento, revolucionário por natureza, fez pinturas de cavalete extrapolarem as telas, tomarem conta de muros, trouxe narrativas sociais e políticas para contextos pré e pós revolucionários ao longo do século XX. Podemos ver o resultado desse movimento em países como Brasil, Chile, Bolívia, Uruguai, Argentina, Paraguai Peru e vamos subindo até o México. Os ecos dessa arte também são sentidas nos Estados Unidos, seja pelos aclamados murais de Rivera ou pelos gritos de protesto de Siqueiros, que na Califórnia, em 1933, ao pintar um mural chamado América Tropical fez toda a crítica ao imperialismo norte americano e a opressão imposta à América Latina. E como era de praxe, foi deportado e perdeu seu visto no país.

Os novos muralistas hoje, grafitam e pintam as paredes das laterais de edifícios, muros de escolas, muros de centros culturais e museus. Alguns trazem ainda questionamentos sociais e políticos expressados pelas tintas, pinceis, sprays, outros pintam o que sentem internamente ou decoram a paisagem. Mas a arte, não deixou, nem por um minuto, de ser revolucionária, seja em suas dimensões ou nas ideias por traz dos desenhos.

Para saber mais: https://repositorio.unifesp.br/handle/11600/52726

Este texto não reflete necessariamente a opinião do Click Museus.

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