Arte e comida possuem uma relação estreita quando o assunto é história da arte, principalmente ao levar em conta os aspectos visuais dos alimentos, as representações simbólicas e os valores culturais e sociais. Segundo o filósofo Michel Onfray, a questão gastronômica é uma questão estética e filosófica: as práticas culturais das civilizações de todas as épocas e as belas-artes relacionam-se com a cozinha, que em seus diversos períodos históricos as representa tanto quanto as pinturas, as sonatas, as esculturas, as peças de teatro ou a arquitetura.
A experimentação modernista, em razão de novos materiais, novas tecnologias e novas formas de viver surgidas a partir do começo do século XX, adotou a cozinha como um “microcosmo”, que se tornou um veículo fundamental para a formalização dos princípios do movimento moderno nos anos 1920 e 1930. A comensalidade passou a inspirar e integrar a poética dos artistas, de modo que o ato de comer adquiriu um aspecto ritualístico.
Interessado pela gastronomia, Filippo Marinetti, em 1930, elaborou o manifesto da cozinha futurista, onde foram estipuladas as regras do novo sistema alimentar e da produção dos pratos futuristas, rompendo absolutamente com o passado. As receitas deveriam romper absolutamente com o passado, principalmente não utilizando o macarrão tipicamente italiano, destruindo-o completamente e contendo a assinatura do cozinheiro, como uma forma de autoria. As atenções ao aspecto visual, pictórico e escultórico dos pratos e da arrumação das mesas deveriam fazer que cada prato tivesse uma arquitetura original e, se possível, diferente para cada um dos comensais. Assim, a cozinha alterou o estatuto e o valor do texto (receita) e do autor (cozinheiro, chef). Diferente da cozinha tradicional, a culinária futurista insurge claramente a centralidade do papel do autor, que produz um texto verbal (a receita) e um material (o prato), onde imprime uma autenticidade que o torna irreproduzível, como uma obra de arte.
Neste contexto, o constante diálogo que as produções artísticas mantiveram com o universo gastronômico implantou um processo de contato e vitalidade, que contribuiu para a formação da herança cultural da época. Em 1971, foi inaugurado o restaurante Food, em Nova York, idealizado pelo artista e arquiteto Gordon Matta-Clark em colaboração com a bailarina e cozinheira Caroline Goodden, sua namorada na época, além dos amigos Tina Girouard, Suzanne Harris e Rachel Lew. Instalado em um antigo edifício que abrigava um restaurante nomeado de Comidas criolla, destinado a trabalhadores, a proposta do Food foi criar um local para a vida comunitária por meio da comida como uma crítica às formas dominantes do consumismo da mesma.
Os artistas trabalhavam juntos no restaurante, promovendo uma rede social em torno do restaurante, como um ponto de encontro de músicos, poetas, cineastas, bailarinos, escultores e atores. Ainda, o restaurante funcionava com rotatividade de funcionários e contratos temporários, uma vez que o objetivo era contratar também artistas, auxiliando-os financeiramente para subsistência ou para algum projeto artístico. Desse modo, os artistas atuavam em todas as atividades do restaurante, como limpeza e contabilidade. Alinhado com as manifestações artísticas da época, Matta-Clark criou o The Sunday Night Guest Chef Dinners, evento no qual convidava artistas aos domingos para realizarem performances a partir da própria poética envolvendo a comida.
Durante o período de funcionamento do restaurante, Matta-Clark utilizou a materialidade da comida para produzir obras artísticas, como cozinhar fotografias polaroid (Photo-Fry) e cultivar microrganismos (Incendiary Wafers). Diante disso, o restaurante se tornou palco para experimentações de como a matéria está continuamente em transformação. Entretanto, como a maioria das refeições eram distribuídas gratuitamente, o restaurante não conseguiu se sustentar financeiramente e o formato comercial fechou em 1973. Matta-Clark gravou o filme Food com o objetivo de registrar o dia a dia dos artistas.
Criador da “Anarcoarquitetura”, Matta-Clark engajou-se com as estruturas sociais, refletindo sobre a vida comunitária e a experimentação artística. O restaurante Food é até hoje referência na temática, por sua inovação e liberdade de criação. Diante do exposto, conclui-se que não se trata de pensar no alimento simplesmente como combustível de sustento para o corpo, mas como uma forma de considerá-lo também como elemento de experiência estética e movimento de vida, vinculado à arte.