O museu e o poder de apontar para o futuro citadino: a relação entre patrimônio, história da cidade e resistência cultural.

O museu e o poder de apontar para o futuro citadino: a relação entre patrimônio, história da cidade e resistência cultural.

A gente sabe que o patrimônio tem diversas categorias, que inclusive as fronteiras entre elas é objeto de debate, mas gostaria de focar aqui na parte específica do patrimônio que é relativa ao que se preserva, pesquisa e comunica nos museus, justamente porque é desse local de trabalho que este texto foi escrito. Por isso partimos do patrimônio das coisas musealisadas, das coleções dos museus.

Tomemos a relação ensino, patrimônio cultural e história da(s) cidade(s). Cada uma dessas palavras remete a grandes debates conceituais que, embora se cruzem constantemente, são coisas diferentes. Cabe fazer um recorte dentro desse recorte, que parte da relação passado-presente-futuro necessariamente encontrada dentro da noção de patrimônio. Isto é, o patrimônio abriga sempre passado, presente e futuro, embora este último esteja, claro, como devir. Onde está então o passado, o presente e o futuro no patrimônio?

O passado é o mais claro, pois é dele que vem o objeto que vai para o museu, com uma relação objetiva e subjetiva com o passado. Ele só está lá por isso. Mas se está lá é porque alguém o coloca, o mantém lá no presente, com interesses e conflitos do presente. Talvez o mais conhecido exemplo disso seja a figura de Tiradentes que se tornou um símbolo muito tempo depois de sua morte, a partir de conflitos e debates diferentes dos de sua época. A história, no sentido de disciplina, nos ensina isso. Mas e o futuro? O futuro é precisamente o fetiche desses grupos que no presente colocam coisas em museu, pois é no futuro, na permanência, que se concentram. O museu seria uma espécie de recado do que é importante para o futuro, para a eternidade inclusive. Mas, como as relações sociais são dinâmicas, esse futuro nunca permanece, e as coisas vão sendo ressignificadas porque há transformações operadas entre as classes sociais e as frações de classe ou diferentes grupos político-econômicos. 

Há uma disputa de sentido sobre o que deve ser visto no museu, assim como o que deve ser evitado. O Museu do Seridó/UFRN, por exemplo, tem uma coleção muito representativa da elite seridoense branca e católica, então, para fazer uma exposição crítica, como as que esta instituição costuma fazer, começamos a prestar atenção nas ausências, nos silenciamentos. O patrimônio só é patrimônio pra um alguém coletivo, e esse alguém coletivo tem uma posição dentro do processo de luta de classes. O conflito pode ser intraclasse até. Por exemplo, o Parque da Cidade, localizado em Natal-RN, é destacado como patrimônio pelo grupo político de Carlos Eduardo Alves e invisibilizado por quem com ele disputava a prefeitura, grupo este que destacava a ponte Newton Navarro por ligação com o governo que a construiu, o de Wilma de Farias. São disputas políticas que envolvem o patrimônio da cidade.

O mesmo ocorre com as peças do museu, seja grupos da elite econômica ou marginalizados, são suas projeções e anseios que dão traços ao patrimônio. E é precisamente nesse ponto que, dentro da nossa percepção, está a parte mais profícua entre ensino de história e museologia: é essa potencialidade de descamar da museologia que o ensino de história pode aproveitar dentro de uma relação mediada. Porque se não for mediada o que ocorre é a troca de uma passividade por outra, aí não seria um mediador, mas uma espécie de Mister M, que apenas revela o processo de feitura de uma mágica/truque enquanto assistimos sem muito participar. 

Então o papel do museu, dentro dessa perspectiva, principalmente em sua atuação com a educação formal e acadêmica da área de história, é precisamente a exposição dessas relações. E aqui cabe um aprofundamento, que é a intenção de cada grupo nesse jogo passado-presente-futuro e sua posição social. Não há intenções soltas no espaço, que caem do céu: as intenções tem uma razão de ser dentro do complexo processo de luta de classes. Por isso não adianta apenas valorizar ações de resistência como as do museu da Maré, é preciso entender como essas comunidades marginalizadas são marginalizadas. Não fazer isso é correr o risco de gourmetizar a miséria, a desigualdade e os processos de invisibilização social das populações marginalizadas nas cidades, as quais ocorrem por diversos motivos, como gentrificação, especulação imobiliária, desigualdade social e higienismo social.

Autor: Tiago Tavares

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