Museu Bispo do Rosário: Quando arte e “loucura” se encontram

O “Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea” é responsável pela preservação, difusão e conservação da obra de Arthur Bispo do Rosário, localizado no Rio de Janeiro, no mesmo local que o centro de saúde mental “Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira”, também chamado de Colônia. O museu oferece exposições gratuitas, visitas mediadas, visitas técnicas e encontros de educadores, além de promover a aproximação dos moradores da Colônia de sua história e apresentar a obra do artista.

Arthur Bispo do Rosário nasceu em Japaratuba (Sergipe) no ano de 1911 e não há muitas informações sobre sua infância, mas sabe-se que ele estudou na Escola de Aprendizes Marinheiros em Aracaju e se alistou na Marinha de Guerra do Rio de Janeiro, onde começou os treinos de boxe e se tornou campeão dos pesos-leves. Em dezembro de 1938, Bispo do Rosário saiu de madrugada pelas ruas do Rio de Janeiro até chegar ao Mosteiro São Bento, afirmando que estava acompanhado por sete anjos e que era “aquele que veio julgar os vivos e os mortos”. O artista foi encaminhado para o hospício da Praia Vermelha, de onde foi transferido para a Colônia Juliano Moreira, diagnosticado como esquizofrênico-paranoico. Ele fugiu algumas vezes da internação e chegou a receber alta, mas em 1964 decidiu morar definitivamente em Colônia. Após alguns conflitos com outros pacientes, ficou confinado e decidiu se trancar por sete anos em uma das celas, colocando-se o dever de produzir e trabalhar todos os dias.

Fotografia: Ana Branco

O artista bordava com as linhas que desfiava de uniformes velhos dos internos e utilizava objetos domésticos como canecas, vassoura, papelão e fios de varal, além de objetos proibidos na Colônia, como agulhas, obtidas através da amizade com outros pacientes. Com o aumento de sua produção, expandiu seu espaço para as dez solitárias do pavilhão e mantinha a chave do local só com ele, permitindo a entrada de outras pessoas somente se respondessem a pergunta: “qual a cor da minha aura?”. Ao longo de sua vida, produziu mais de 800 obras, envolvendo bordados com pontos antigos, união de materiais e diversos objetos. Para ele, a sua produção não era arte, mas sim a sua própria salvação. Uma de suas obras mais conhecidas, o “Manto da apresentação”, foi construída durante quase 30 anos para utilizá-la no dia do “juízo final”, onde, segundo o artista, ele se apresentaria a Deus vestindo o manto, como representante dos homens e das coisas existentes. O manto bordado possui vários elementos simbólicos e autobiográficos, além dos nomes de algumas pessoas escolhidas, para não se esquecer de interceder junto a Deus por elas. Ao longo de suas obras, nota-se como ele organizou seus sentimentos e pensamentos através do delírio, como uma saída de ordem para dar um sentido ao seu interior.

“Manto da apresentação”. Foto: IPHAN

Bispo do Rosário permaneceu 49 anos internado e morreu em 1989, de infarto do miocárdio, arteriosclerose e broncopneumonia. Sua trajetória provoca uma reflexão fundamental sobre o sofrimento psíquico, sendo preciso continuar sempre com a luta antimanicomial, que visa a reeducação no modo de compreender os transtornos mentais e um tratamento humanizado, promovendo uma integração psicossocial e rompendo com os estigmas em torno da ideia de “loucura”.

Mesmo sendo marginalizado e excluído, como um negro, pobre, louco e asilado em um manicômio, ele conseguiu sustentar um lugar único para mostrar sua obra. Bispo do Rosário teve suas obras expostas em diversas instituições, como no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, na Bienal de São Paulo, na Bienal de Veneza, no Parque da Laje (RJ), no Museu de Arte Contemporânea da USP (SP) e na Fábrica de Arte Marcos Amaro (Itu-SP). Suas obras foram tombadas pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultura (Inepac) e hoje se encontram localizadas no museu que adotou o nome “Museu Bispo do Rosário” em 2000, porém já foi nomeado de “Museu Nise da Silveira” e de “Egas Moniz”. Em 2002, com as questões da reforma psiquiátrica já consolidadas, o Museu Bispo do Rosário acrescentou as palavras “Arte Contemporânea” à sua denominação, direcionando-se para os debates em torno da arte atual.

Foto: Vicente de Mello

A obra de Bispo do Rosário é a sustentação de uma singularidade, a criação de um mundo interno, que constrói um novo sentido a si mesmo e transforma a “loucura” em potência poética. Para conhecer mais sobre o museu e o artista, você pode acessar o link https://museubispodorosario.com/, assistir ao filme o “Senhor dos Labirintos”, dirigido pelo cineasta Geraldo Mota, e ao curta “O Prisioneiro da Passagem”, do fotógrafo e psicanalista Hugo Denizart.

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One Comment

  • Ainda desconhecido, Bispo do Rosário ocupa relevante docente papel na historiada arte no Brasil.

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