O Museu do Instituto Lauro de Souza Lima, localizado em Bauru (SP), apresenta a exposição inédita “Histórias cruzadas, caladas, curadas”, que exibe um panorama sobre a hanseníase no Estado de São Paulo, principalmente no Asilo Colônia Aimorés (Instituto Lauro de Souza Lima). A mostra, organizada no antigo cassino do asilo, é dividida em vários eixos curatoriais, revelando como os moradores do asilo lidavam com a doença e também com a religião, luto, estudos, trabalho, família e rotina.
Com curadoria dos museólogos Rodrigo Santos e Olga Susana Costa Araújo e da historiadora Renata Gava, a exposição somente foi concebida com o apoio do Programa de Ação Cultural (PROAC) do Estado de São Paulo, além do apoio do Sistema Estadual de Museus de São Paulo (SISEM-SP) e do Instituto Lauro de Souza Lima. O material exposto inclui itens pessoais dos moradores, aparelhos e instrumentos médicos, coleções de trabalhadores, documentos sobre a hanseníase e o mobiliário do asilo. O acervo é permanente e pertence ao Museu do Instituto Lauro de Souza Lima, porém a exposição, baseada em fontes documentais e bibliográficas, traz um novo olhar da hanseníase: a vida cotidiana dos portadores da doença.
O Instituto Lauro de Souza Lima, cujo nome homenageia um dos grandes hansenologistas do Brasil, foi criado em 1933, como Asilo Colônia Aimorés, onde eram internados os portadores de hanseníase do Estado de São Paulo e região. Com uma área de 400 alqueires, o asilo era dividido em três zonas: a doentes, a intermediária (para funcionários e suas famílias) e a sã, para equipe técnica, médicos e administrativo, estudantes de medicina e convidados da diretoria.
Estudos de fontes escritas e materiais osteoarqueológicos mostram que a hanseníase existe provavelmente desde a antiguidade, há mais de quatro mil anos. A doença foi considerada incurável por muito tempo e os hansenianos sofreram diversos preconceitos e estigmas, além de ter sido considerada como um símbolo do pecado na Idade Média. Assim, a história registra que muitas pessoas foram isoladas de sua família, moravam nas ruas e viviam às margens da sociedade. Quando um hanseniano tinha um filho, o bebê era retirado dos pais logo no nascimento e às vezes até levado a creches para ser criado longe da família. O crescimento da doença no Estado de São Paulo está associado ao fluxo alto de pessoas, causado pelo ciclo do ouro, a expansão das estradas de ferro e a imigração.
A hanseníase é uma doença infectocontagiosa, que atinge principalmente a pele e o sistema nervoso, causando dor nos nervos, dormências, lesões, manchas e diminuição da sensibilidade na pele. É causada por uma microbactéria e sua transmissão acontece através de gotículas de saliva eliminadas na fala, tosse ou espirro de pessoas não tratadas e em fases mais adiantadas da doença. Chamada de “lepra” antigamente, a doença mudou de nome para “hanseníase” por um médico, acreditando que a palavra “lepra” carregava uma conotação discriminatória e ainda contribuía para o preconceito.
Como os doentes eram isolados e com o aumento da doença, os hansenianos no Brasil foram se agrupando e assim os asilos começaram a ser formados. É importante refletir que os doentes estavam desamparados, excluídos, sem moradia e que o isolamento em asilos privilegiou a população sadia e não beneficiou os doentes, visto que as condições das primeiras colônias eram precárias e eles precisavam pedir esmolas nas estradas para se sustentarem.
Os pacientes eram submetidos ao isolamento compulsório e as visitas da família eram permitidas somente sob vigilância e sem a possiblidade de contato corporal. O espaço possuía diversas casas, um coreto, tablado de dança, igreja, quadra de basquetebol, campo de futebol e praças. Dentro das colônias, todos eles trabalhavam em pequenas indústrias, fábricas de sabão, plantações de frutas e cuidavam de toda a estrutura do local. Em datas comemorativas, como natal e páscoa, os moradores permaneciam no asilo e às vezes recebiam presentes doados pelos municípios da região. Apesar da exclusão social, o outro lado da exposição revela como os moradores se organizavam para momentos de diversão e cultura. O asilo possuía uma biblioteca com um grande volume de livros doados pelos municípios da região e pelo governo estadual, além de um cinema. Em 1938, foi inaugurado um cassino, que contou até com a presença do presidente Getúlio Vargas, para os moradores se divertirem com festas, salão de jogos, bailes semanais e outros eventos. O local possui um palco com instrumentos musicais e conta que os moradores formavam bandas de jazz para apresentações aos finais de semana.
O museu também exibe a antiga “Farmácia do Mirante”, que pertenceu ao Senhor Astôr de Mattos Carvalho, farmacêutico formado na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP-MG). Ele veio para o Estado de São Paulo e abriu sua farmácia no Município de Cabrália Paulista, além de assumir um laboratório em Jaú. Em 2012, todo o conjunto imobiliário, frascos de remédios e outros objetos foram doados ao Instituto Lauro de Souza Lima. Dentre todos os medicamentos, o mais antigo é o elixir utilizado para o tratamento da sífilis com data de 1871.
O tratamento da hanseníase, até a primeira metade do século XX, era por meio de remédios com base de substâncias naturais produzidos nos laboratórios farmacêuticos, sobretudo com o óleo de chaulmoogra em forma de tratamento injetável, em cápsula, aplicado sobre a pele e também combinado com outros medicamentos. Com o passar do tempo e o avanço das pesquisas, ocorreu a substituição do óleo de chaulmoogra para o tratamento sulfônica, que gerou o fim do isolamento social dos doentes de hanseníase e, portanto, o começo do fim dos asilos. Atualmente, a doença é curada com um conjunto de três medicamentos, chamado de poliquimioterapia, e após duas semanas de tratamento já não existe mais o risco de transmissão.
O Instituto Lauro de Souza Lima é centro de referência na área de Dermatologia Geral e, em particular, da hanseníase para a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e Ministério da Saúde, que atua com assistência, treinamento, pesquisa e ensino. Ainda, é reconhecido e designado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como Centro Colaborador para Treinamento de Pessoal em Controle e Pesquisa em Hanseníase, principalmente para países de língua portuguesa. O Brasil, através do Sistema Único de Saúde (SUS), oferece tratamento gratuito para a hanseníase e é registrado como o segundo país no mundo com o maior número de casos da doença (dado de 2020), que acomete geralmente a população com pouco acesso a saneamento básico, alimentação adequada e condições dignas de moradia.
A exposição “Histórias cruzadas, caladas, curadas”, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, reafirma a importância do tratamento humanizado, da leitura crítica da história e do combate ao preconceito da doença. O museu, com a missão de investigar, comunicar e expor esse acervo, preserva o patrimônio do hospital e das pessoas portadoras de hanseníase, evidenciadas nele não somente como doentes, mas sim como humanos que sentem dores, desejos e anseio pela vida. “Fazer de sua prisão, um lar. De seu asilamento, internação. De sua doença, a cura”.
Para conhecer mais sobre a exposição, acesse o link: https://www.historiascruzadas-caladas-curadas.com/. As visitas acontecem apenas com agendamento por e-mail (ensino@ilsl.br), de terça a quinta-feira, das 8h às 13h
One Comment
Matéria bastante esclarecedora e importante!
Parabéns, Laura Mazeto e colaboradores!
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