Os museus e as temporalidades
Chegamos ao final de mais um ano, ocasião costumeiramente usada para refletir sobre a passagem do tempo. Historiadores talvez um pouco mais, afinal, a história é a ciência dos homens no tempo, como nos lembra oportunamente March Bloch. Em 2022, enquanto museu universitário, continuaremos a atuar na pesquisa, preservação e comunicação, sempre estimulando suas ligações com o ensino e a extensão. Esperamos continuar comunicando o Seridó aos que dele fazem parte ou que têm interesse na temática, sentido maior do nosso fazer.
O tempo, entretanto, tem um caráter fracionado, em certa medida dependente de uma construção subjetiva do observador, noção descrita com beleza por Fernand Braudel ao pensar na conceituação da duração: “uma descida pela encosta do tempo só é concebível sob a forma de uma multiplicidade de descidas pelos diversos e incontáveis rios do tempo”.
Assim também é a temporalidade museal. Ela não é retilínea, embora alguns museus mais tradicionais a conservem assim. O tempo que circula as exposições é uma construção museológica, obra de muitas mãos, corações e mentes. Ele é pensado de acordo com a exposição desejada, harmonizado com a forma que se quer comunicar determinado acervo, ou corte de acervo, na verdade, pois sempre se trata de uma seleção. E, até nesse caso, o tempo, em sentido bem restrito, influencia: uma curadoria, por exemplo, tem centenas de fotos da Segunda Guerra Mundial e vai montar uma exposição com algumas dezenas delas. Um dos critérios certamente será a não concentração de fotos em um único ano. E se fizer o exato oposto, concentrar tudo em um único ano, o tempo não deixou de ter peso.
É o tempo, mesmo que imageticamente, nos atrai ao museu. Esse caráter meio mágico que as peças dos museus têm em grande medida é o poder de nos levar a (acreditar que vemos) um outro tempo, ou de trazer um outro tempo até o nosso. Esse tempo faz parte da exposição e pode sofrer bifurcações, fraturas, loopings… O tempo é também um componente dos profissionais que organizam um museu. Ele não é estático, mas maleável. Isso não deve ser confundido, de forma alguma, com falsificar a realidade ou incentivar os revisionismos e negacionismos históricos que tanto têm reforçado preconceitos e atrasos institucionais e sociais em todo mundo.
Mas há também uma dimensão temporal mais prática, linear e simples: o da sequência dos dias, semanas, meses e anos. É nessa linearidade que percebemos mais facilmente a evolução dos museus, o avanço do trabalho, do diálogo com o público, das exposições.
Nós, do Museu do Seridó, nesse último ano, publicamos vários textos aqui na ClikMuseus (que aproveitamos pra agradecer a parceria!); participamos e/ou elaboramos mesas redondas em grandes eventos da área, como a Primavera do Museus, organizado pelo Instituto Brasileiro de Museus – Ibram; limpamos, organizamos e registramos centenas de peças do acervo; realizamos nossa exposição virtual Devoções do Seridó: a fé em tempos de isolamento; usamos nossas redes sociais constantemente para prestar informações sobre nosso trabalho, assim como para manter uma comunicação mais frequente com nosso público. A quantificação do tempo é um fator importante para os trabalhadores do museu, tanto que o Plano Museológico é baseado nisso. Inclusive foi também neste ano que o nosso foi elaborado.
A gente, então, a partir deste nosso pequeno afluente temporal escolhido e a ele dado sentido, desejamos felicidades aos parceiros e visitantes que por aqui passaram, ainda que virtualmente, e aos que passarão, gerando assim fluxo a novos rios.
Autor: Tiago Tavares