Serenata no cassino

Por Fredi Jon

Era manhã, mas lá dentro o tempo parecia suspenso. Estacionamos no subsolo, onde a penumbra tinha cheiro de gasolina e segredo. Subimos alguns lances de escada estreita. Portões se abriam um a um, como se revelassem capítulos de um livro que poucos têm acesso. Nenhuma placa, nenhuma janela. Apenas a certeza de que estávamos atravessando uma fronteira invisível.

Lá em cima, no salão fechado do cassino, a luz artificial escondia o dia que brilhava lá fora. Mesas silenciosas, fichas empilhadas, olhares que mediam mais do que palavras. Tudo era discreto. Nada de música alta, nada de riso espalhafatoso — apenas o sussurro das negociações e o tilintar seco das moedas imaginárias que, de tão valiosas ali, poderiam comprar muito mais que objetos: compravam presenças, compravam lealdades.

Quando começamos a tocar, a surpresa se espalhou como um raio silencioso. O homenageado — um homem de meia-idade, terno impecável, olhar vivido — não esperava ver violões e vozes romperem o protocolo daquele ambiente calculado. A serenata cresceu no ar pesado, colorindo paredes que pareciam feitas para aprisionar o tempo.

Enquanto cantávamos, não pude deixar de pensar: quantos ali, sentados diante de cartas e fichas, já apostaram tudo na vida? Quantos trocaram sonhos por números, afeto por lucro, tempo por promessas que cabem numa maleta?

A música, naquele instante, parecia dizer que a riqueza verdadeira não estava no cofre ou no bolso, mas nos minutos em que alguém para tudo para olhar nos olhos e cantar. Era estranho — e bonito — ver aqueles rostos endurecidos suavizarem, como se por um instante o valor da vida não se medisse em fichas, mas em notas musicais.

Terminamos a homenagem, recebemos aplausos contidos, quase tímidos. Ao sairmos, os portões se fecharam de novo atrás de nós, como se quisessem guardar o momento a sete chaves. Mas eu sabia que, para quem ouviu e sentiu, aquela música já tinha escapado.

Lá fora, o sol seguia seu caminho. E pensei: talvez, em um mundo onde se aposta tudo para ganhar mais, a maior vitória ainda seja parar — mesmo num cassino — para lembrar que viver não é apenas acumular, mas sentir.

Outras histórias você encontra no MINUTO Serenata disponível no site: serenataecia.com.br e no YouTube

Read Previous

Vaga de Especialista de Site e E-commerce- Companhia das Letras