Entre meados do século XVIII, o romantismo surgiu como um movimento artístico e cultural, anunciando uma ruptura com a estética neoclássica e com a visão racionalista da época. Decorrente das fortes mudanças sociais, políticas e culturais na Europa, como a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, o movimento suscitou muitas obras caracterizadas pelo sentimento, subjetividade, imaginação, paixões humanas e a própria criação artística. Nas artes visuais, destacam-se os nomes de William Turner (1775-1851), John Constable (1776-1837) e Théodore Géricault (1791-1824).
Johann Heinrich Füssli, mais conhecido como Henry Fuseli (1741-1825), foi um pintor suíço que passou a maior parte de sua carreira na Inglaterra e marcou sua trajetória com diversas obras românticas, principalmente com a obra “O pesadelo”. A pintura foi feita em 1781 e exposta pela primeira vez na exposição de verão da Royal Academy em Londres, tornando-se alvo de críticas e confusas interpretações. Após alguns anos, Henry Fuseli foi eleito Associado e Acadêmico da Royal Academy, além de ter sido professor de pintura na mesma instituição.
Apresentando um espaço indefinido, a composição da obra “O pesadelo” é horizontal, devidamente enquadrada na temática do sono. Na representação, uma mulher destacada pela pele e vestido claros é retratada dormindo com a cabeça inclinada para o lado da cama e o braço esquerdo pendurado frouxamente em direção ao chão, de modo vulnerável. Com sua sombra projetada sobre o corpo da mulher está a figura de um demônio de forma masculina, que provavelmente é a representação do Íncubo. Originada do latim “incubus”, a palavra se refere ao demônio que absorve a vitalidade de mulheres que estariam dormindo e tendo sonhos eróticos, provocando um pesadelo. Assim, ele se interessa na relação sexual e atrai a vítima para se satisfazer, deixando-a paralisada, sufocada e exausta. A sua versão de forma feminina, a Súcubo, atacaria os homens.
Atrás da pintura, nota-se uma cabeça misteriosa de um equino, possivelmente a representação de “Mare”. Em algumas culturas, trata-se de uma égua, associada ao demônio, conhecida por entrar nos quartos das pessoas durante a noite, enquanto estavam dormindo, para causar-lhes pesadelos. Quando essa égua visitava alguém, a vítima sentia um peso que começava pelos pés e sempre se acomodava no peito, deixando-a incapacitada de se mover. Não à toa, a palavra pesadelo, na língua inglesa, é “nightmare”, sendo “night” de noite e “mare” como referência a essa égua noturna.
Em uma carta a um amigo próximo, Henry Fuseli escreveu sobre um sonho que teve com Anna Landolt, uma mulher a quem amava e fazia parte de seu círculo social. Acredita-se que a obra “O pesadelo” pode ser uma referência a esse sonho. Entretanto, diversos estudos associam a obra à paralisia do sono, situação na qual o indivíduo desperta, mas é incapaz de realizar qualquer movimento corporal voluntário. Essa condição provoca, portanto, um estado de desconexão temporária, causando uma perda momentânea de funções motoras, perceptivas, emocionais ou cognitivas. Assim, a experiência é uma sensação de estar acordado e sonhando ao mesmo tempo. Por conta das crendices da época, presume-se que a paralisia do sono foi interpretada como uma visita do Íncubo e da Mare.
Durante o sono, o corpo é induzido a uma experiência diferente da realidade, uma vez que ao dormir é necessária uma entrega à existência. Os sonhos podem ser definidos como um estado da consciência que acontece durante o sono, sendo assim, uma produção psíquica com um significado único para cada sujeito. Nos rumos da história da humanidade, dependendo da cultura, os sonhos foram interpretados de diversas maneiras. Sigmund Freud (1856-1939), considerado o pai da psicanálise, dedicou um relevante período ao estudo dos sonhos e promoveu uma pesquisa fundamental com a publicação do livro “A interpretação dos sonhos” em 1900. Para ele, sucintamente, os sonhos se constituem como uma realização disfarçada de um desejo reprimido. Interessado na temática, o psicanalista possuía uma cópia da obra “O pesadelo” pendurada em seu apartamento em Viena, na década de 1920. Para os autores Chevalier e Gheerbrant, analisar os sonhos “é uma das vias de integração da personalidade”.
Algumas perturbações durante os sonhos geram os pesadelos, que podem estar ligados a traumas, estresses e conflitos. Para Freud, o pesadelo está associado à inquietude, tornando-se uma expressão das angústias do sujeito. Na referida obra de Henry Fuseli, o inferno foi aproximado abstratamente ao pesadelo. Chevalier e Gheerbrant afirmam que “…o inferno é um estado da psique que, em sua luta, sucumbiu aos monstros, seja por ter tentado recalcá-los no inconsciente, seja porque aceitou identificar-se com eles numa perversão consciente”.
Em janeiro de 1783, Thomas Burke fez a matriz de uma gravura da obra “O pesadelo” e a distribuiu através do editor John Raphael Smith, com um preço relativamente baixo, o que contribuiu para popularizar a imagem. Henry Fuseli, posteriormente, pintou pelo menos mais três variações com o mesmo título e assunto e ao longo da sua vida produziu mais de 200 pinturas, expondo apenas uma pequena parte delas, e cerca de 800 desenhos e gravuras.
Além de uma perspectiva pessoal, a temática onírica foi amplamente explorada ao longo da história da arte. As experiências artísticas dependem e se relacionam com os processos psicológicos envolvidos tanto na reação às obras de arte como na sua criação, fazendo os sonhos parte desse processo. A obra “O pesadelo” permite diversas interpretações e revela a experiência de um possível pesadelo atrelado às crenças da época.