A FARSA DA CULTURA POPULAR

O Museu do Seridó recentemente se envolveu em uma mostra de cinema, dessas feitas em parceria com instituições locais, empresas e grupos acadêmicos, com entrada gratuita. O Museu não esteve implicado no processo de organização do evento, mas disponibilizou um ônibus para ir à comunidade em vulnerabilidade social com a qual desenvolvemos um trabalho social e educativo. Não foi ninguém. Nem mesmo essa forma de ir lá na própria comunidade, no melhor molde “busca ativa”, adiantou.

Diante de um fracasso, nos resta a reflexão. Os fenômenos sociais têm uma explicação, fechar os olhos para o problema certamente não ajuda a resolvê-lo. Em tempo: o fracasso remete a ida das pessoas da comunidade em questão, o evento estava quase lotado. Muitos estudantes levados por professores, acadêmicos e profissionais da cultura foram para ver um documentário sobre uma senhora do sertão potiguar que trabalhava com mamulengos.

Temos então, diante do exemplo, e de tantos outros, um recado da maior inimiga dos idealistas, a realidade: o que pode interessar aos acadêmicos como sendo popular pode não interessar àquelas pessoas que, em tese, estariam mais próximas dessas expressões. Acontece que as formas de saber e fazer populares muitas vezes são pasteurizadas pela academia, em uma linguagem ora pernóstica, ora mergulhada em simulacro do que seria “popular”. A própria separação entre erudito e popular, por si só, é problemática, mas não entraremos nessa seara agora…

A hipótese aqui é que recorrentemente a universidade transforma trabalho em pura e simples “expressão artística”, “resistência”, fazendo com que algo concretamente localizado no mundo social vire coisa abstrata, solta em um conjunto de conceituações sem realidade material que as embase. É o cachimbo do René Magritte. E aqui explicamos o título provocativo: há uma cultura popular, mas ela vira farsa enquanto tema/alimento para o produtivismo neoliberal que virou a universidade. 

É por isso que pastores evangélicos, mesmo em não raros casos sendo analfabetos funcionais, estabelecem uma comunicação pujante com populações vulneráveis. Eles tratam da vida dessas pessoas, de seus problemas reais do cotidiano, do alcoolismo do marido desempregado, da falta de dinheiro, das doenças que chegam sem acompanhamento das condições de compra de remédios e tratamento.  Eles partem da vida material e real das pessoas, ainda que apontem para soluções metafísicas. 

Em suma, não basta repetir incansavelmente que a universidade tem que sair de seus muros. Não basta sequer que ela saia de seus muros. É preciso partir da vida social e material das pessoas para que a comunicação possa existir. 

Autoria do texto: Tiago Tavares e Silva

Autoria da arte: Thaísia Kaline Alves de Queiroz e Hyally Carvalho Dutra Pereira

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One Comment

  • Adorei ler esse conteúdo, continue assim!

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