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Do Passado – Críticas a Semana de Arte Moderna de 1922
A semana de 22
Entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, o Theatro Municipal de São Paulo tornou-se palco de conferências e recitais de músicas e poemas, em que um grupo de artistas se rebelava contra padrões estéticos da arte brasileira vigentes desde o século anterior.
Também conhecida como Semana de 22, o evento consolidou o Movimento Modernista no Brasil. Durante o período, as pessoas tiveram a chance de visitar o saguão do teatro e conferir uma exposição de artes plásticas com obras de Anita Malfatti, Vicente do Rego Monteiro, John Graz, Zina Aita, Di Cavalcanti, Harberg, Brecheret, Ferrignac e Antonio Moya.
Além da exposição, foram realizados saraus com apresentação de conferências, leitura de poemas, dança e música, participação dos escritores Graça Aranha, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida e Ronald de Carvalho, com execução de músicas de Ernâni Braga e Villa-Lobos.
Mário de Andrade foi uma das figuras centrais e principal articulador da Semana de Arte Moderna de 22, ao lado de outros organizadores: o escritor Oswald de Andrade e o artista plástico Di Cavalcanti.
Imprensa e Críticas
No início do Século XX, os jornais, revistas, cinema e folhetins eram os únicos meios de comunicação para que a população pudesse se inteirar com as notícias do mundo todo. O rádio surgiria no final do ano de 1922, ainda com uma transmissão e programações bastante precárias, e a televisão somente 30 anos depois.
Ao se tratar do evento da Semana de Arte Moderna pode-se dizer que a imprensa brasileira (nada imparcial naquele momento), voltou-se a lados opostos do movimento. A primeira visão era extremamente positiva, pois conhecia o projeto de tornar o Brasil um país independente da cultura européia e apoiava essa primeira tentativa.
A segunda encarou a Semana de uma forma bastante negativa, por ser formada por um grupo social bastante conservador, que antes mesmo de conhecer a proposta que os Modernistas traziam, já rotulavam-na como ruim. Ainda devemos destacar uma outra parcela da imprensa que simplesmente não formou sua visão sobre o modernismo, pois fechou os olhos e fingiu que nada estava acontecendo.
Dentre as críticas e elogios proferidas pela imprensa paulistana da época, o autor Oscar Pilagallo descreve no livro História da Imprensa Paulista,
[…] o Jornal do Comércio, onde Oswald de Andrade trabalhava como redator, A Gazeta, que franqueava espaço a Mário de Andrade, e sobretudo, o Correio Paulistano, que publicou Menotti Del Picchia, davam o devido troco à Folha da Noite, alimentando uma polêmica que lhes interessava não apenas como estratégia de divulgação, mas porque chocar sensibilidades refratárias ao novo era uma atitude que fazia parte da própria natureza do movimento.
Em outro momento o autor coloca que “As vaias recebidas no Teatro Municipal agradaram os artistas, mostrando que estavam no caminho certo por fazerem algo totalmente novo e diferente daquilo que o público esperava presenciar.”.
Talvez um dos maiores e mais respeitados críticos do movimento modernista tenha sido o literato Monteiro Lobato, que ao conhecer obras da pintora Anita Malfatti, ainda em 1917, teria ficado escandalizado, e feito diversas observações negativas a respeito do trabalho da artista, que após voltar ao Brasil de sua viagem de estudos a exterior (Alemanha e Nova York), teria mudado complemente sua linha poética e criativa, para se adequar ao que seria o modernismo brasileiro, uma visão mais prosaica do que havia encontrado fora do país. As críticas de Lobato obtiveram tamanha repercussão que Mário de Andrade escreve, tempos depois, uma carta aberta em defesa de Anita.
Para além das muitas críticas duras já conhecidas sobre a Semana, chamamos a atenção para o trabalho de Sérgio Milliet, pois o crítico despendeu um importante apoio aos propósitos modernistas, além de desempenhar, dentro da comunidade jornalística, papel fundamental na formação de uma nova “comunidade de gosto”, pois era polo de divulgação, colaborador importante na estruturação da intelectualidade artística, que tinha pouca formação cultural, e seu trabalho de favorecimento da formulação e a difusão de valores.
Millet possuía uma tônica bastante explicativa e interpretativa, sem objetivar o acadêmico, mas fazia questão de organizar suas ideias e expô-las de forma objetiva para que nenhum artista se sentisse ofendido e “implicasse com sua criatividade”.
“Sobre as apresentações durante os três dias no palco paulista, Sérgio escreveu para sua amiga Marthe, que vivia em Paris e dividia os ideais com o crítico. Duas cartas merecem destaque: a primeira, escrita em abril de 22, destacava as obras e os artistas que tinham exposto no Teatro Municipal e lhe rendeu críticas como ‘Há apenas um ano alguns artistas trabalhavam na calma dos ateliês…Alguns artistas!…E eis que de repente, esse artistas fazer um apelo aos outros desconhecidos do Brasil: das a São Paulo, noitadas de arte moderna’.
Ainda citando as apresentações da Semana, destacou a importância dos principais artistas que ali estavam pessoalmente, um a um, com o maior rigor, para que não houvessem mal entendidos.
Algumas passagens eternizam a impressão do crítico. ‘Penetremos juntos ao hall do Grande Teatro e admiremos um pouco esta exposição. Eis, da esquerda para a direita, John Graz, que nos apresenta telas de um colorido vigoroso e de um simbolismo místico simples, duro e ingênuo… Anita Malfatti, vigorosa e ousada, e inteligente.
A escultura admiravelmente representada pelo gênio de Brecheret, cujo estilo lembra Mestrovic, dava-nos a ocasião de apreciar as estatuetas de Haarberg, um escultor bastante jovem e a quem não falta talento…
Brecheret se revela um grande escultor, um gênio da raça latina, digno de suceder a Rodin e a Boudelle, e também um admirável poeta por sua extraordinária imaginação. Marthe gostaria de lhe mostrar seu Monumento das Bandeiras que é, por assim dizer, a epopéia da arte brasileira e o mais belo canto de sua poesia.
É o quadro poderoso da conquista do Brasil pelo povo aventureiro dos paulistas, a procura do ouro e dos escravos indígenas, a ambição desmesurada e nostálgica dos descendestes dos gloriosos portugueses da grande época, a necessidade de conquistas e de dominação.
Imagina você, para traduzir esta grande ideia, um impulso formidável de corpos torcidos, de músculos, de sofrimentos, de desesperos e de entusiasmos através da floresta virgem, apesar das febres e das guerras e da natureza hostil. Tudo isso sem uma frase, sem um artifício, sem uma imagem envelhecida. Imagine isso e você terá uma idéia da arte de Brecheret’, comentou Milliet à amiga.”.
Textos de Referências
Apresentação. Memória da imprensa. Disponível em: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/memoria_imprensa/edicao_03/secao_cultura.php
Semana de Arte Moderna de 1922. Revista Prosa e Verso. Disponível em: https://www.revistaprosaversoearte.com/semana-de-arte-moderna-de-1922/
Souza, Claudia Cruz de. O Jornalismo e a crítica da Semana de 22. In: Jornalismo e apreciação de arte. Revista PJ:Br – Jornalismo Brasileiro, Ed. 06, 1 sem. 2006. Disponível em: http://www2.eca.usp.br/pjbr/arquivos/artigos6_b.htm#:~:text=As%20cr%C3%ADticas%2C%20as%20vaias%20e,l%C3%A1%20os%20acontecimentos%20estavam%20ainda
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