Ode ao Burguês de Mário de Andrade

O que é uma Ode?

Definida por ser um “poema lírico composto de estrofes de versos com medida igual, sempre de tom alegre e entusiástico.”, as Odes se relacionam com a poesia grega em sua origem, dedicadas ao canto. Comumente a Ode é utilizada como um instrumento de exaltação, seja a pessoas, coisas, objetos ou feitos históricos.

A Ode de Mário de Andrade

Da literatura que foi apresentada durante a Semana de Arte Moderna de 1922, a leitura do poema Ode ao burguês, de Mário de Andrade, foi uma das mais emblemáticas. Talvez pelo seu tom afrontoso e destemido, ela ecoa até os dias atuais:

“Eu insulto o burguês!
O burguês níquel,
O burguês-burguês
A digestão bem-feita de São Paulo! (…)”

O poema reúne em si um conjunto importante de características predominantes na primeira fase do modernismo brasileiro. Formalmente, observamos versos livres, estrofes heterogêneas e uma linguagem coloquial e agressiva que carrega e ilustra o anseio da vanguarda de destruir as muitas convenções burguesas. No entanto, a escolha do autor pelo título ‘Ode ao burguês’ é uma maneira que ele adota de ressaltar o tom irônico do poema. Nesse contexto, é tematizada a caracterização do burguês a partir uma constante ridicularização do tipo.

Ode ao burguês foi publicado em 1922, mesmo ano em que chocou a plateia na famosa Semana Modernista, e faz parte da coletânea de poemas do livro Paulicéia Desvairada (1922). Segundo estudiosos, Pauliceia Desvairada faz um retrato social e crítico da cidade urbana paulista, dentro dele é possível notar muitas influências das vanguardas europeias como o Dadaísmo, o Surrealismo, o Expressionismo, o Futurismo e o Cubismo.

O escritor foi um dos organizadores desse momento chave do modernismo, do qual celebramos o centenário. Na data, também foram de grande destaque suas palestras: sobre o abrasileiramento da língua portuguesa, que mais tarde foi publicada com o título A Escrava que Não É Isaura; e sobre a música folclórica nacional. Além de também serem memoráveis suas leituras do Prefácio Interessantíssimo, que posteriormente veio a ser o prefácio de Paulicéia Desvairada.

O Poema

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos;
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os “Printemps” com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o èxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
“– Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
– Um colar… – Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!

“Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burgês!..
.
De Paulicéia desvairada (1922)
Mário de Andrade

Parte do texto aqui apresentado parte do original “100 anos da Semana de 22: Ode ao Burguês, de Mário de Andrade”, disponível na íntegra na página da SP Escola de Teatro.

Leia Também: O que foi a Semana de 22?

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