Camões: O dramaturgo boêmio e brigão

Luís Vaz de Camões nasceu em Lisboa, no ano de 1524, justamente no ano cujo o navegador e explorador português, Vasco da Gama veio a falecer. Esse que, posteriormente viria a ser lembrado eternamente nos versos escritos por Camões, devido ao fato de grande parte de suas viagens, foram base para o enredo no poema épico de Luís, “Os Lusíadas” (1572). Homem lusitano e caolho, Luís Vaz de Camões era e é ainda até hoje um dos maiores poetas das literaturas portuguesas.

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

Filho de Simão Vaz de Camões e Ana de Sá e Macedo, Camões viveu sua infância na época das grandes descobertas marítimas, era do expansionismo territorial em que havia ampla necessidade de se buscar metais preciosos, especiarias e novos caminhos para as Índias. Em meio aos conflitos gerados pelas políticas do desenvolvimento naval, Luís Vaz de Camões, estudara no Colégio do Convento de Santa Maria – Lisboa, e desde sua juventude adquirira um extenso conhecimento nas áreas de história, geografia e literatura. Mas, em 1544 Luís levava uma vida muito irrequieta, boêmia e desordeira, além da fama de conquistador, mostrava-se pouco interessado e sem nenhuma vocação para a Igreja, com 20 anos, deixa as aulas de teologia, e passa a estudar filosofia na Universidade de Coimbra, onde seu tio, o frade D. Bento de Camões, era chanceler.

Portugal porta adentro: Lisboa no século 16 | AGÊNCIA FAPESP
Livro descreve a atividade econômica, a organização social e a vida cotidiana na cidade que foi a ponta de lança da expansão colonial europeia (A mais antiga representação de Lisboa (1500–1510) da Crónica de Dom Afonso Henriques, por Duarte Galvão)

Nesta época, o governo português já incentivava a intelectualidade nacional, e Camões já era reconhecido pela sua engenhosidade com as palavras, então pôde compor seus versos com mais autonomia, tornando-se de fato poeta integrado ao início do período literário português, Classicismo. A maioria de suas obras foram sempre marcadas por uma visão antropocêntrica e seus poemas seguiam rigidamente um formato em versos regulares. No caso dos sonetos, o poeta utilizava também a medida nova (decassílabo). Adepto ao neoplatonismo, sua poesia idealiza o amor e a mulher amada. Além disso, apresenta temáticas como o desconcerto do mundo e o sofrimento amoroso.

Camões vivia em uma época em que a racionalidade era extremamente valorizada, em oposição à fé religiosa, que marcara o período histórico anterior, ou seja, a Idade Média. Portanto, apontar o desconcerto (o desequilíbrio) da realidade era uma forma de tirar dela o véu das ilusões. Assim, a constatação de que tudo na vida é transitório eliminava a importância das coisas mundanas. Ainda nesse sentido, somente o pensamento filosófico e a arte podiam atingir o equilíbrio, a harmonia perfeita. A razão e a expressão artística estavam, dessa forma, em posição de superioridade se comparadas aos afazeres diários e às regras sociais. Por isso, o amor carnal mostrava-se inferior ao amor ideal, filosófico e não sexualizado. Em seus versos, percebe-se que Luiz sempre se empenhou nos estudos dos clássicos da Antiguidade e dos humanistas italianos, em consequência de todo seu empenho, na capital lusitana, os versos do poeta eram apreciados pela nobreza, damas da corte, com quem sempre esteve envolvido amorosamente e sexualmente.

Senhora minha, se de pura inveja
Amor me tolhe a vista delicada,
A cor, de rosa e neve semeada,
E dos olhos a luz que o Sol deseja,

Com a fama, Camões passou a sofrer perseguições de outros poetas, sendo vítima de muitas intrigas para desprestigiá-lo e afastá-lo da popularidade que havia conquistado. Para fugir das perseguições, em 1547, Camões resolve embarcar numa viagem para a África, onde o escritor lutou como soldado em terras estrangeiras. A vida do poeta sempre foi cercada por diversas especulações e lendas, num desses episódios, dizem que durante uma batalha em Ceuta, território pertencente à Marrocos, combatendo contra os soldados mouros, foi atingindo no rosto e acabou perdendo o olho direito. Contudo, também corre à boca pequena uma outra versão para quem prefere dizer que o poeta era de outros heroísmos, dizem que ele perdeu o olho espiando damas se trocarem pelo buraco da fechadura.

Farei que amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.
O retrato de Camões por Fernão Gomes

Em 1549, Camões retorna para Lisboa e entrega-se a uma vida desregrada, tanto que em 1552, envolve-se em novo incidente, ferindo um funcionário da Corte, um verdadeiro banho de sangue. Foi preso e permaneceu um ano encarcerado, logo depois recebeu o perdão do rei e partiu para Goa, Índia, onde alguns anos depois fora preso novamente por motivos de dívidas.

Quando de minhas mágoas a comprida
Maginação os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece
Que pera mim foi sonho nesta vida.

Inspirado pelas conquistas ultramarinas, nas viagens por mares desconhecidos, na descoberta de novas terras e no encontro com costumes diferentes, escreve o primeiro canto de sua imortal poesia épica, Os Lusíadas.

Capa da primeira edição de Os Lusíadas

Em seu retorno de Goa, para Lisboa sofreu um naufrágio, o que se conta é que nadou com um braço enquanto o outro permanecia erguido e segurava os manuscritos que havia feito de Os Lusíadas. Na ocasião ele estava com sua amante chinesa Dinamene, mas precisou escolher entre a vida dela e a sua obra-prima – a obra que ele tinha lutado tanto para escrever -, Dinamene então morreu afogada. Camões salvou o manuscrito. Em sua memória, o poeta dedicou vários versos posteriormente.

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Os Lusíadas, foi o único livro publicado em vida, dois anos após o retorno do poeta a seu país natal, publicou a obra. Obteve tanto sucesso, de modo que a Coroa portuguesa passou a pagar uma pensão ao autor. Os Lusíadas é um poema épico, dividido em 10 cantos, com versos decassílabos (10 sílabas poéticas). Por ser uma epopeia, traz a figura heroica de Vasco da Gama (1469-1524) e enaltece a nação portuguesa.

Mas no fim de sua vida, Camões estava doente e era uma homem solitário, pobre e arrependido, se entregou ao catolicismo e ao arrependimento, morreu em 10 de junho de 1580, sem deixar dinheiro para pagar o próprio enterro, então foi enterrado em uma vala como qualquer outra de um cidadão português comum. No mais, as obras do autor acabaram servindo aos estudiosos como fonte de informação acerca de sua biografia. Eles buscavam, assim, trazer luz à vida do lendário Camões.

Poemas: http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/camoes.html

Filme: Camões (Leitão de Barros, 1946)

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